terça-feira, 2 de março de 2010

Ushuaia, Tierra del Fuego, 23.02.2010

Para o último dia e chuvoso dia em Ushuaia, um trekking mais instigante: laguna Esmeralda! Com esse nome, tinha que valer a pena até debaixo d'água. A questão é quanta lama teríamos que enfrentar. E a resposta óbvia: um bocado. Bem, toda a filosofia trekker não teria sentido se não houvesse uma certa dose de desconforto envolvida. Se o negócio parece acessível demais, então não significa aventura. Sendo barato, remoto, difícil e com poucos japoneses coloridos (que aliás costumam ser gente boa), aí já se pode conversar...
Claro, não posso me considerar trekker nem propriamente mochileiro por vocação; estou mais para curioso compulsivo ou amador da vida, se preferir. Boa parte da minha disposição advém da inocência de encarar o dia na perspectiva mais "carpe diem" possível. Essa inspiração estoica basal provavelmente remonta aos tempos de Sociedade dos Poetas Mortos (obrigado Marcelo, Rodrigo, primos e irmãos de fogo). Prá quem viveu a adolescência nos 90, o filme deve significar algo de bom, apesar do Robin Williams.
Então, de jeans e mesmo sem luvas ou gorro: sí, se puede. Claro, não estou recomendando imprudência, principalmente para quem pretende desafios mais longos na natureza selvagem e fria. A natureza não é naturalmente amigável - pelo contrário. A recompensa para o despreparo dos intrépidos tende a ser sovas didáticas dos galhos e castigo das intempéries imprevistas. De todo jeito, encarei este primeiro desafio como um cursinho pré-Torres Del Paine. Bem acompanhado pelos colegas de albergue, Sumeet e Yvonne, além de um casal de israelenses (como viajam os judeus!), seguimos pela trilha quando a chuva deu uma trégua. Dentro das 4 horas desviando das poças, a natureza sempre encontra um jeito de te derrubar na lama. Com passo cautelosos, todos tentamos guiar e escorregamos na proporção da nossa confiança recém-adquirida. Bem, nada que uma boa lavanderia não possa resolver. E, ufa, a chegada à laguna à beira dos picos nevados após subir ao seu platô é perfeita para surpreender de perto e embasbacar à primeira vista.Na volta, a sensação de que viajantes que se enlameiam unidos adquirem afinidade. Mais uma vez, é na adversidade que mais nos unimos. Com alguma intimidade, conversei com o casal judeu sobre a situação mundialmente preocupante do país e as perspectivas de quem lá vive. A impressão geral que tive é de que eles próprios não vislumbram paz, embora também não possam dizer com certeza qual a proporção de palestinos que efetivamente aceitariam ter o estado de Israel como vizinhos. Houve excesso de força de ambos os lados e hoje há muita pressão para intolerância por conta da mágoa acumulada, e assim o judeu israelense (muito distinto dos judeus de fora) basicamente se acostuma desde cedo a conviver com o militarismo perene de um estado à beira de uma guerra santa (?). Não admira que tantos aspirem à liberdade de viajar após os anos de serviço militar obrigatório (3 para homens / 2 para mulheres), e fazem valer seu "ano sabático" peregrinando pelo mundo.
Sumeet, americano de ascendência hindu, se mostrou um colega (futuro pediatra) bastante curioso, com suas poses de yoga para fotos e atitude econômica sempre amistosa. Um cara que valeu a pena facebookar, mesmo que eu não passe pela Carolina do Norte. Depois jantei com a Yvonne no "Tante Sara" e também nos divertimos bastante debatendo filosofias de vida em inglês e espanhol (und ein bisschen deutsch?) na língua universal do alberguês. Como alemã independente desde os 19 anos, tendo trabalhado voluntariamente no Equador (aos 25 anos) e viajando sozinha pela América do Sul há 6 meses (o noivo a espera em Colônia), pareceu-me um bom exemplo das distinções culturais Brasil-Europa...

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