sábado, 6 de março de 2010

Torres Del Paine, 01.03.2010

Superação, teu nome é Torres Del Paine. Outra historinha dos tempos de exército que me recorre nessas horas: quando você pensa que está acabado, é porque chegou aos 50% (obrigado cap Florindo). Então, à última missão. Saímos de madrugada para atacar a montanha. No escuro, encontro Marjolein mais à frente, verdadeiramente transtornada. Ela diz que não aguenta mais o David e seu egoísmo. Já tinha visto ele regulando os lanches, mas desta vez brigaram feio mesmo. Na versão aparente: ele reclamou de algo que não estava exatamente como nos planos dele para o café-da-manhã nas montanhas, e decidiu se mandar na frente. Ainda bem que já se foi a última noite, então a separação deles não terá maiores consequências. Tento consolá-la, mas faltam-me as palavras. He can't ruin your day. Ela segue em frente, e eu vou logo atrás no que se revelou depois um caminho "paralelo". Ao invés da suportável trilha natural em ziguezague, encaramos uma infindável pedreira vertical, e o atraso é inevitável. Já havia tomado caminhos equivocados 2 outras vezes no circuito, mas faltam-me metáforas para digerir este último infortúnio. Só me agoniava de pensar em perder o espetáculo natural. Mas peralá, a alvorada não está só lá à beira dos picos, mas em todo lugar.
El condor pasa. Pego minha câmera, ele parece fugir, mas só troca de rocha... E me mostra, tanta beleza ao redor. Quer dizer, pela silhueta não deve ter sido um condor, mas que outra ave domina a montanha desse jeito? (e ainda tem na música de Paul Simon). Vejo os outros viajantes já perfilados aos pés do cerro, mas já não me sinto o azarado atrasado. Prossigo a jornada e chego ainda em tempo de registrar o efeito mais que especial do sol sobre as montanhas. Aquele halo amarelo reluzente me lembra que alcançamos o ouro, afinal. O ouro dos tolos, todos que se permitem deslumbrar-se à toa com algo que simplesmente acontece. Lembro-me do filme "Man On Wire", daquele francês que se equilibrou entre as torres do World Trade Center em 1974. Adoro a parte em que os jornalistas americanos o perguntam "por quê"? Não há por quê. Abençoados sejamos todos. Fin del sendero.

Marjolein me oferece oat meal, que dispenso (bleh). Um pouco mais sorridente, David me diz que achava que eu não conseguiria. Eu achava que ele achava isso, mas não me lembro de ter cogitado intimamente desistir. Lembro-me sim de ter imaginado desmaiar no caminho. Ufa, passou.
O caminho final, até a hostería Las Torres, se me serve de epílogo, foi bom para curtir a energia boa do sol ameno da Patagônia com aquela sensação de missão cumprida. Gracias, gracias. Que meu joelho ainda aguente esta descida, só mais essa. Prometo vida mansa em Calafate.
A ladeira final serviu para confraternizar mais com a Marjolein também. Ela realmente me deixa uma boa impressão dos holandeses. E me pergunta por que só vemos holandesas viajando, e não holandeses? Vai saber, os caras não trocam Amsterdã por nada. Concordamos com a predominância de israelenses e franceses em Torres Del Paine, e eu me pergunto por que mal encontrei brasileiros, homens ou mulheres. Por que ainda não abraçamos de vez essa cultura mochileira internacional? Acho que meus conterrâneos adorariam estar aqui, mas talvez não consiga imaginar a maior parte com os 15kg nas costas. Algo para se refletir. Gilberto Freire que responda. Ah, existe turismo tradicional em TDP também. Isto é, tanto quanto possível. Mais caro, claro.
Marjolein, Julie e David tem entretanto um tanto em comum. Espelham circunstâncias da nova Europa pós-crise. Todos vivem momentos de redefinição profissional, aproveitando uma pausa prolongada (ou desemprego) para repensar a vida em jornadas mais agradáveis longe do rigoroso inverno. Parece-me uma maneira curiosa de encarar uma crise. Se não há mais nada a fazer, vamos dançar um tango argentino. Ela é a mais velha de 3, e se considera tipicamente primogênita, a (mandona) responsável/organizada. Ela me diz que a sina do irmão do meio é ser sonhador. Nada a declarar. A não ser: será que as Rochosas Canadenses podem superar isso?

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