quarta-feira, 17 de março de 2010

El Chaltén, 05.03.2010

No dia seguinte, eu e o Brian decidimos encarar um trekking mais decente. Céu nublado, hmmm... não seria a melhor hora para atacar o Fitz Roy (célebre montanha argentina / atração principal da cidade). Então vamos ao lago Torre, que fica a menos de três horas da cidade. De longe, está encoberto por nuvens, mas vamos lá. No caminho conhecemos uma família peculiar: um alemão casado com uma chilena levando sua filhinha e um bebê para passear nas montanhas. Bastante simpático, foi o primeiro nessa minha jornada a dizer que conhecia Recife(!). Quer dizer, de ouvir falar. Luiz Gonzzzagha? Uau, como assim, você conhece? Não resisto e dou uma de pernambucano cabra da peste cantando "Asa Branca" prá ele (primeira estrofe, claro). Legal. Talvez um dia traga a família toda para uma trilha nas montanhas. Quizás, num dia mais bonito, com uma esposa bem-humorada sem tpm, pode ser uma boa.
Neste frio caminho das pedras também conhecemos duas garotas argentinas especiais: Adrianna e Johanna, uma colega médica! Papo não faltará neste trecho. E de fato, parece que as chicas porteñas são mais legais do que rezava a lenda. Adrianna esbanja bom humor e sorri fácil mesmo no meio do nevoeiro. Johanna é médica de família, uma área que dialoga muito bem com a psiquiatria. Há muito de psi nas queixas de atenção primária, em todo canto: hay que ouvir e conhecer o paciente. De cara, ela já se propõe a nos levar para um tour em Buenos Aires quando chegarmos. Diz que a vida lá pode ser bem estressante, e me pinta um retrato não muito distinto da rotina em São Paulo. Todo mundo ocupado/apressado. E desde a puta crise de 99, convivem com as "villas" (+-favelas), desemprego e instabilidade. Tampoco estão otimistas com a maneira que os Kirchner têm administrado a situação atual. De todo jeito, ainda sobra charme em San Telmo, Palermo, La Boca, Puerto Madero... Um charme europeizado, que alguns argentinos mais jovens admitem como uma imitação histórica de padrões ingleses, às custas de uma certa negação de sua latinidad. O que antes seria motivo de orgulho, na crise adquire ares de despropósito. Parece que não está sendo fácil para eles chegar a termos com uma identidade nacional problematicamente sulamericana sem floreios importados...

Pedra e mais pedra no caminho, até que subitamente os fortes ventos cessam. Que estranho. Olho prá cima, um pássaro solitário. Não há de ser um mau agouro. Virando a esquina, salta aos olhos o lago Torre. Uaahh. Não dá prá se empolgar muito. As nuvens agora estão à base da montanha, quase à nossa frente - nevoeiro, intensificando a sensação de frio e desolação. Definitivamente não inspira ao piquenique.
Converso um bocado com uma moça de Cingapura cujo nome eu não saberia escrever. Em seu país a modernidade convive com tradições de uma maneira peculiarmente asiática. Os cidadãos desfrutam dos confortos de uma economia de ponta, mas a liberdade é relativa. Tráfico de drogas é punido com pena de morte. O Brian me dá uma amostra de sua linhagem oriental: decide construir um abrigo contra o vento, pedra sobre pedra, na base do lago. Diligente, busca as maiores que pode carregar e as empilha com uma determinação de formiga. Encontra uma em forma de "L". Losers. heheh, a natureza tem senso de humor. Cumpre eternizar o momento com um troféu apropriado.
À noite vou ao albergue de Johanna, onde conheço Aurelien, de Bourdeaux. Sorridente e sem muita cerimônia, quebra facilmente o estereótipo do francês chato e arrogante. E como fala esse gaulês! Trabalha com marketing numa vinícola. Faz sentido. Reunidos con las chicas, vamos os quatro procurar um lugar decente para jantar. Algumas pizzas depois, a melhor parte do dia: aulinha de tango num barzinho próximo. Essa noite está bem concorrida. Considerando que Chaltén é uma ciudad deveras pequeña e bem longe da capital, jamais imaginei que teria essa experiência acá. Tanto mejor, há muitos habitantes locais e otros argentinos conosco, não se sente nenhum vício exploratório turístico mas sim amor à tradição. Surpreendentemente, no es dificile dar os primeiros passos. Pés rentes ao chão. O segredo está na atitude do torso, diz el maestro. Tiene que dialogar com o da parceira. Para além de toda a elegância europeia, aprendo que o tango tem sim um tanto de africano también. Não à toa sugere tanta sensualidade em meio à dramaticidade. Importar e misturar os floreios certos pode render lindos resultados. Baila perfeita para tempos difíceis. Si tiene que cair, mejor es deslizar com classe. Essa noche não precisa terminar tán temprano...

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