quinta-feira, 18 de março de 2010

El Chaltén, 06.03.2010

Último dia em Chaltén, hora de aproveitar o céu azul e colocar uma montanha espetacular na frente. Como a Johanna porteña já foi, juntamo-nos eu, Aurélien e Adrianna para a peregrinação ao Fitz Roy. O Brian decidiu fazer sua trilha com outros americanos que conheceu no albergue. Aparentemente carregam uma garrafa de vodka para "get wasted" lá em cima. Já o tinha encontrado bebo ao voltar ontem à noite, então parece tratar-se de american way of life adaptado para as montanhas andinas (jejejej). Poderia ser divertido, mas prefiro ficar com meus sanduíches de jamón y queso, já que a jornada promete alguns ofegantes flashbacks do Circuito W. Três horas de subida para chegar ao "Lago de Los Tres", aos pés do Fitz Roy, mais 4 horas de volta até Chaltén. Depois de Torres Del Paine, tenho a grata sensação de que não preciso temer esse tipo de desafio. Claro, também ficou a certeza de que não posso subestimar os obstáculos. Mais algumas barras de cereais, peras e ciruelas (tipo de ameixa amarela gostosinha) serão bem-vindas.
Ao longo do caminho, vamos conhecendo diversas facetas daquela que deve ser a montaña mais espetacular da Patagônia. Não chamam Chaltén de paraíso do Trekking por acaso. As trilhas são diversas, e qualquer foto ganha ares de prêmio da National Geographic com o imponente Fitz Roy ao fundo. O capitão do Beagle adentrou com Darwin em alguns rios patagônicos, mas parece que, assim como el perito Moreno, nunca teria conhecido o monumento natural que foi rebatizado com seu nome. Difícil ter noção da sorte que temos nesta era de mundo na mão. Aventuras modernas talvez percam um bocado da grandeza épica dos tempos do Conrad, por serem acessíveis a qualquer mortal, mas ao menos aqui a paisagem não mudou com o tempo. Não muito. Nuvens passageiras criam uma ilusão de uma megachaminé de granito. Ó linda situação para um churrasco. Brincadeirinha.
A ladeira final parece tão interminavelmente íngreme quanto prometia ser. Não há razão para pressa, então vale curtir a vista (pretexto para recuperar o fôlego). Miro a pomposa montaña. Cada vez, "está mais perto do que longe". Graças ao tenente Diniz por ter-me ensinado essa pérola do niilismo andarilho. Vale prá qualquer trekker otimista em qualquer lugar do mundo.
O esforço crescente só aumenta a expectativa da recompensa. E finalmente, ao chegarmos aos pés do Fitz Roy, deslumbramento embasbacante total. Com o perdão do clichê: no hay palabras. Carajo. Putz. Melhor não, tudo soa como blasfêmia ou leviandade perto do poder e perenidade que inspira a naturaleza acá. Sí, somos tão pequenos, fracos, vulneráveis, fugazes, mas não insignificantes se podemos testemunhar e atribuir valor a obras tão divinas. Agora entendo quando se fala em "santuário natural"...Depois da empolgação inicial, descemos em silêncio até a margem da lagoa. O azul profundo fica ilusório ao nos aproximarmos: não passava de reflexo do céu. A realidade torna-se transparente de perto. Podemos quebrar a liturgia e curtir o êxtase turístico. Sin dejar basura, claro. A água parece bem mais atraente que a do lago Torre, ou de qualquer outro que tenha visto até aqui. Nadar até a geleira do outro lado seria possível, se não se considerar as cãibras generalizadas que levariam qualquer maluco a agonizar de frio até a morte. Bueno, venho de neoprene ultra-térmico (?) da próxima vez. Faço algumas poses de novela mexicana com Adrianna, digo, "Maria Estela" - soy tu Carlos Daniel esta tarde. É siempre animador quando o caminho de volta é para baixo - en nuestra católica sudamérica, todo santo ajuda. Pena que só podemos cantar juntos se for algo da Xuxa, cada qual na sua versão. Engraçado (digo, gracioso) las cosas kitsch que tenemos en comun, los latinos.

Para a noite, combinamos uma despedida econômica de andarilhos no albergue da Johanna. Spaguetti ala bolognesa, clássico. Como não poderia deixar de ser, duas botillas de viño malbec de San Juán y Mendoza. Explico a eles a tradição brasileira: "beber sem brindar,..." Qualquer cena se torna exquisita (deliciosa!) depois de 8 horas de trilha, resultado da satisfação pelo esforço (e das barras de cereais). Infelizmente no posso quedarme emborratchado (bebum) con el francés y las chicas esta noche. Despeço-me ao fim da primeira garrafa. Tengo que tomar el omnibus das 23:00 para El Bolsón, e será um longo trecho transpatagônico. A vida de viajante, com encontros e desencontros sucessivos, amizades imediatas e fugazes tem seu próprio ritmo contemplativo, que paradoxalmente acentua a celeridade da vida. Hay que aproveitar o momento. Sín embargo, también existem os reencontros inusitados. Espero sinceramente reencontrá-los, para completar esta etapa alcoólica em outras bandas. Quizás? Para tanto, viva el Facebook. Saúde!

Um comentário:

  1. Oi, Zé! Fiquei surpresa como vc escreve bem, adorei!As fotos estão incríveis. Que azul! Vou ficar acompanhando sua viagem aqui pelo blog com uma pontinha de inveja de quem não pode fazer o mesmo!Tudo de bom pra vc!

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