sábado, 31 de outubro de 2009

Recife, Marco Zero



Obviamente este blog só terá sentido real quando eu juntar os trapos e deixar Recife (meu pai, meu irmão mais velho e os melhores amigos) na promessa de tornar-se a praça do meu 'eterno retorno'. Nossa capital pernambucana me deu excelentes razões para amá-la nestes 23 anos. Bairrismo à parte (tanto quanto possível para um pernambucano 100%), a gente sabe que tem um canto especial no mundo, com uma história marcante, rico em cultura própria, diversão fácil e barata e belezas naturais embasbacantes. Além, é claro, do melhor carnaval do mundo. ;) Não se admira que tenhamos uma certa imagem meio "metida" entre irmãos nordestinos.
Por outro lado, nenhum recifense (nativo ou adotivo) é capaz de ignorar os tremendos problemas com que vivemos e acabamos singelamente nos acostumando. Na falta de expressão mais precisa, falo da "tensão social". Depois de algum tempo a gente até esquece que não é lá muito 'normal' que crianças "trabalhem" nos sinais (ou pior, inalem/fumem) e que tenhamos que nos ater à suposta segurança de nossas casas e carros (aliás, cada vez mais estagnados nas vias lotadas) ou andar apressados olhando para os lados nas ruas de quase todos os bairros. Paranoiainstitucionalizada.com. Se a gente se propõe a refletir mais, na quantidade de impostos inversamente proporcional à qualidade dos serviços públicos, nos vícios de nossa política e no nível de injustiça social arraigado, aí a coisa fica particularmente sem sentido.
Acho que este seria o momento em que teria de fazer toda uma reflexão histórico-sócio-antropológica, mas aí o negócio vai longe e foge ao propósito, digamos, mais egocêntrico deste espaço. Só pretendia registrar minha impressão da cidade que aprendi a amar "com restrições", como a maioria de nós, suponho. Não estou incitando ninguém a fugir daqui, apenas contextualizando meu ponto de partida.

"Quem só tem o espírito da história não compreendeu a lição da vida e tem sempre de retomá-la. É em ti mesmo que se coloca o enigma da existência: ninguém o pode resolver senão tu!"

Assim falou Zaratustra, isto é, Nietzsche! Já era tempo de citá-lo nesta história. Poucos pensadores conseguem ser tão pertinentes em momentos ontológicos. Nessas horas em que a gente de fato pensa no que vive, e por alguma mágica as coisas parecem realmente fluir independente de "sentidos", sentimos um lapso de plenitude. Fazemos parte do *todo*. Sequer escolhemos o caminho, antes construímos as próprias vias. Com a razão em segundo plano, seguimos consumindo e alimentando nossa Vontade de Poder... Nietzsche bebeu (ou melhor, se embriagou) da fonte dos filósofos pré-socráticos, como Heráclito. Na mesma Grécia, um tanto depois, os estoicos filosofaram sobre a condição do homem segundo as leis da natureza. A felicidade/plenitude seria uma consequência natural de uma vida virtuosa, em que se enfrenta o destino com coragem e dignidade. Epicuro preconizava a busca da paz interior, através de uma vida baseada no presente, renegando as ilusões do passado (nostalgia) ou do futuro idealizado (esperança), já que estes sequer existem *de fato*. Ao presente, então!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

E daí?

"Todos os homens serão marinheiros, até que o mar os liberte"... Se Cohen sabia o que estava falando em "Suzanne", e eu nunca soube velejar, só me resta andar, prá valer. O destino? Sempre que me perguntam isso, gosto de parafrasear o Marlow do livro "No Coração das Trevas", de Joseph Conrad: "Meu destino! Coisa engraçada é a vida - misterioso arranjo de lógica implacável para um propósito fútil. O máximo que você pode esperar dela é algum conhecimento de si próprio... que chega tarde demais... uma colheita de inesgotáveis arrependimentos." Isso pode passar uma ideia meio desiludida ou até pessimista das coisas, mas a coisa não pára aí. Parece-me que o Marlow estava apenas se dando conta da futilidade de tantos de nossos supostos propósitos elevados, e levantando a inevitável questão: o que vale a pena? Essa resposta é inevitavelmente pessoal, e como esse blog é meu, vamos ver...
Mais importante do que o destino, é o caminho. Não vivemos pelos objetivos, mas antes para preencher (e dar sentido) à vida. O fracasso é relativo, pois a frustração constrói - o vazio absoluto é "o horror, o horror". Com efeito, talvez pode se dar por satisfeito quem tem algo prá contar, como o Marlow ao voltar do "Coração das Trevas". Com o espírito aberto, que nossa jornada não seja mera ilusão, assim tampouco será em vão. E, quem sabe, talvez ainda se possa assumir um tom mais otimista do que ele quando voltar? Senão veremos...





Thumbs up for Pipa, RN

Coisa e tal

Sei que cultura e arte importam. Cultura é a bagagem que nos humaniza. Acho que foi o Sartre que disse que a existência precede a essência, isto é, ninguém nasce humano. Aprendemos a ser gente através da cultura que herdamos e reprocessamos. Daí a arte, bem... meu lado psicopedante me diria que "arte é uma ferramenta para a resignificação dos conflitos inconscientes"; meu lado filosófico diria que "arte é chave para transcender a razão"; meu lado poético diria que "a beleza é a finalidade dos sentidos e sua busca uma virtude natural"; meu lado prático diria que arte diverte, e (des)constrói a cultura... Eu diria que precisamos nos emocionar e nos fascinar, e que isso nos renova. Com 3 décadas de vida, posso dizer que de Wilde a Vonnegut, Beatles a Arcade Fire, Kubrick a Gondry, Monet a Dalí, Nietzsche a Hornby, Dylan a Chico, Fellini a Tarantino, etc por etc, sempre há mais arte a explorar. Parece que ao gostar do artista a gente se identifica com ele e o torna parte da nossa vida, nos melhores casos até redefinindo o que antes considerávamos interessante e bonito. Posso até não ter nenhum talento artístico especial (ou não tê-lo descoberto), mas aprecio beleza quando vejo. Há que estar aberto para curtir os próximos filmes, livros, shows... Uma boa maneira de se divertir e fugir do tédio niilista, talvez dissesse o Schoppenhauer, se fosse menos pessimista. Que bom que desde a tal "criação" sempre houve criação, assim muita gente nos legou muita coisa a pró-curar.
Momento da epifania pop: a verdade está dentro, mas há tanta vida lá fora...






Pôr-do-sol em Petrolina

E aí?

Rio São Francisco (vai bater no meio do mar...)
O rio segue tranquilo, bonança... Sombra e água fresca, o que mais se poderia querer? Bem, se a lei maior da natureza é a transitoriedade, hoje é tudo, mas também é só véspera. Sempre em frente. Isso me remete às verdades fundamentais do budismo, do qual pouco conheço, mas me parecem fazer sentido. A nossa natureza de seres desejantes com noção do próprio fim pode parecer meio cilada, já que insatisfação vira regra e plenitude uma abstração. Não sei se a felicidade advém da abnegação dos desejos, mal posso imaginar como seria estar "iluminado", mas prefiro acreditar que a vida que temos é só essa mesmo. Então, seu sentido e propósito devem ser intrínsecos. Pessoais e intransferíveis.
Questionar é preciso. Dialética não é novidade há pelo menos 2.500 anos, mas meu primeiro contato com questões filosóficas de que consigo lembrar foi através do professor de história do primeiro ano. Rubem Franca gostava de citar Sócrates à exaustão para os meninos de 14 anos. "Só sei que nada sei", clássica. "Conhece-te a ti mesmo", ele dizia, em grego e latim nos fazia repetir. Algumas coisas inculcam na gente mesmo se não sacamos seu alcance. Aí está. Auto-conhecimento. Dizem que é uma ferramenta importante para se construir alguma cabana que não se deixe derrubar na próxima tempestade.
Então, vamos lá. Quando pequeno achava que bastava saber que era o filho do meio, que queria ser médico como o pai. Depois da medicina, com a psiquiatria naturalmente chega-se ao Freud, e aos poucos as coisas vão perdendo a suposta simplicidade. Já percebi que ler e refletir ajudam a me conhecer, mas sei que nada substitui a experiência no caminho do auto-conhecimento. Neste sentido, viver plenamente seria também (em boa parte) arriscar-se a experimentar: aprender com o novo para transcender-se. O Hesse tinha algo a dizer sobre isso, através do Sidarta - perdido entre a dissipação da Sansara e a emancipação do Nirvana -, quando se viu balseiro e descobriu o *rio*, para assim (tentar) compreender o todo. Felicidade/plenitude não são ensinamentos doutrinários, antes diria: navegar é preciso. Ok, isso é do Fernando Pessoa, mas enfim, você entende... Alguns clichês ecoam na cabeça quando mais se precisa deles.
Não tenho filhos, meus irmãos estão casados e bem encaminhados, meus pais, saudáveis e resolvidos. Bem, tanto quanto possível. Em tese, não há (de)pendências. Isto me permite liberdade, o bastante para ser incapaz de ignorar certas coisas. Então, é nisso que minha vida gira atualmente: sede por experiência.

Quem sou eu?

(onde estou?... quem é você?...)

Ok, prá quem não me conhece: meu nome é José, como meu pai. Sou psiquiatra e moro em Recife, mas não é assim que a história começa...
O registro da maternidade de Petrolina diz que nasci às 11:00 de 26/06/1979. Se acreditar piamente na precisão da enfermeira, isso faz de mim um canceriano com a Lua em Câncer. Poderia dizer que nasci virado prá Lua, mas na verdade ser tão canceriano não simplifica as coisas, pelo contrário... Como acabei de chegar aos 30 anos, deveria me preocupar mais com meu ascendente, que me disseram ser Virgem. Hmmmm não sei se isso me ajuda muito, mas ah! claro, psiquiatras não acreditam em zodíaco! Afinal, é apenas mais uma pseudociência, ferramenta neurótica para tentar dar ordem e sentido ao caos, né? huahuahuah, senão veremos...
A verdade é que ainda estou buscando minha própria verdade, mas já tenho clareza de que a dúvida não é só inevitável, mas benéfica. Embora isso torne o "quem sou eu?" particularmente difícil de responder. Normalmente nos definimos mais para o esclarecimento do interlocutor e satisfação de seus supostos propósitos do que propriamente num campo de consciência pessoal. A título de prólogo neste weblog, farei algumas poucas postagens egológicas para não me perder de mim antes de me perder por aí. Apenas uma tentativa de aproximar-me de um auto-retrato mais ou menos consistente, não necessariamente coerente. Para tanto, é preciso falar por partes, naturalmente. Poizé, afinal somos algo mais que a soma das partes...?