terça-feira, 2 de março de 2010

Torres Del Paine, 26.02.2010

Agora é prá valer. Circuito "W" de Torres Del Paine. Valha-me Santa Gumercinda dos Viajantes Intrépidos. Estamos falando em uma caminhada de mais de 60km em 4 dias. Melhor não pensar nas subidas, aliás as descidas também podem ser igualmente sofríveis se seu joelho não ajudar. Se aquelas semanas de cooper e bicicleta em Boa Viagem não me prepararam o bastante, fico no meio do caminho. De sede não dá prá morrer, porque rios com água potável de degelo cortam o parque inteiro - mas não dá prá considerar a possibilidade de fracasso. Ser recolhido aos cacos por algum cavalo e carregado até a van não é uma opção. Melhor coisa é deixar a cabeça e os pés no presente, no máximo divagar até a próxima curva. Que será a véspera de outra colina, depois outra, e mais outra... Opa, o céu está aberto, tempo bom! Posso (preciso!) dar sorte e não encarar chuva nos 4 dias, o que é bastante improvável para o clima instável da patagônia chilena... O Ian não parava de se gabar da sorte que teve com seus 4 dias seguidos de sol, mas claro, pode acontecer de novo, tem o aquecimento global e tal e coisa. Vai dar tudo certo. Já tenho minhas luvas e gorro, além das frutas secas (cranberries e figos, nham nham), sopões e barras de chocolate com cereais - do que mais precisa um homem prá viver?
Óculos escuros. Mais para proteger do vento que da luz. As rajadas são legendárias por aqui. Armar a barraca no acampamento Pehoe acaba sendo um desafio maior que a encomenda. Pé na trilha, sem bagagem nas costas neste primeiro dia. Como planejamos cumprir o W em 4 dias (ao invés dos habituais 5), só temos esta tarde para a ida e volta ao Glaciar Grey. De cara, 22km. Meus pés, perdão, mas agora é missão. A paisagem inicial não é das mais empolgantes: mato e colinas indistintas que poderiam figurar nas vizinhanças de Garanhuns. Após algumas subidas e muitas pedras no caminho, uuuuuuuaaaaaaaahhhhhhhhh!!! A primeira visão da lagoa verde com pedaços de gelo azul e o Glaciar Grey ao fundo é estonteante. Tudo bem, faz só 3 dias que eu conheci o negócio da água sólida natural, mas posso ver que meus colegas de trekking estão igualmente atabalhoados. A visão entorpece por alguns minutos, tiramos as primeiras fotos com sorrisos bobos e vamos em frente. À medida em que nos aproximamos da geleira, a visão daquele shangri-lá de algodão serve de estímulo. Por mais perto que chegue, ainda não parece de verdade. Entenda-se, já sou de uma geração acostumada a truques de computação gráfica, então fica difícil acreditar na coisa. Na minha cabeça, metáforas pop variadas, desde a fortaleza do Super-Homem até o caminho de Valinor. Ok, fiquei empolgado, mas veja bem... ali, sobre o lago se estende um tapete de gelo para além do qual não se discerne o horizonte - tudo é um ofuscor de branco! Putz, me belisca.Simon é filho de uma inglesa com um colombiano. Ele me acompanha na instigação de subir até o mirante, onde tiramos as últimas fotos do Glaciar e nos despedimos, lembrando que já passava das 17:00 e teríamos os 11km da volta pela frente. Não há tempo para pensar em cansaço. Conversamos um bocado no caminho, compartilhando amendoins, cranberries desidratados e chocolates. Claro, pensando que o resto da equipe já terá chegado e preparado o *super jantar especial* (massa com molho pronto). Simpatizei com o garoto cabeça. Aos 24 anos ele acabou seu curso de animação e está curtindo 3 meses pela América do Sul antes de se assentar em algum lugar prá valer. Falo para ele que Floripa tem um pólo de animação gráfica, e é uma das melhores cidades do Brasil para viver. Ele considera voltar a viver em Bristol, na Inglaterra, terra de sua mãe, apesar de adorar sua Bogotá natal. Conta que a narcoguerrilha sempre foi o único grande problema de seu país, e fala dos terrores por que passou com sua família nos anos 90. Tem uma opinião favorável da forte presença americana na Colômbia, e muito pessimista quanto à vizinha Venezuela. Chega a antever uma guerra civil por lá, o que não é um exagero quando se pensa na milícia que Chávez formou e na ditadura autocrática que se desenha. Digo para ele ler 1984 de Orwell, certamente um livro proibido em Caracas, pois os sórdidos métodos chavistas tem um tanto da filosofia do Grande Irmão: "guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força".

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