quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

De Buenos Aires a Ushuaia, 19-20.02.2010

Alea jacta est. Finalmente tomei o avião rumo ao fim-do-mundo como o conhecemos. Turisticamente, quer dizer. Ushuaia, Tierra del Fuego, Cabo Horn... Lá onde o vento faz a curva, ou o diabo perdeu as botas, onde Magalhães disse "y ahora?", ou Darwin pegou uma gripe... um lugar que habita minha imaginação desde pequeno. Além dali, só a Antártida. Parecia um lugar razoável para dar sentido excepcional a esta jornada. Claro, histórica ou pretensiosamente, qualquer lugar poderia servir, desde que dissesse algo ao roteirista. *Fin del mundo* tem lá seu impacto. Geograficamente entretanto, existe uma certa polêmica, já que a chilena Puerto Williams é na verdade mais austral do que Ushuaia. Sín embargo todavia contudo aliás: como pode haver um fim de mundo se ele é redondo? Onde seria o começo? Heheheh, marketing turístico à parte, na dúvida entre as cidades, fico com o esquizo Schreiber: "o fim do mundo é uma contradição em termos". De todo modo, como não sonho descer para a Antártida (US$3.300/pessoa), teria em Ushuaia pouca dúvida sobre para onde seguir na vida. Cada um que procure seu norte, antes que se anuncie a morte... boa noite, e boa sorte.

Ainda na escala em Buenos Aires conheci um casal de japoneses de férias, Key e Azusa. Simpáticos, da maneira restrita que se poderia esperar. Almoçamos juntos no aeroporto; me disseram que estavam de partida para El Calafate depois de terem passado pela Espanha e antes de irem para a Itália. Poizé, roteiro peculiar desse jeito. Já pude me sentir privilegiado de ter mais do que "10 dias de férias" para viajar...
A primeira impressão da capital porteña não poderia ser grande coisa, considerando o trânsito e o rio da Prata por cenário (foto). Até o mais bairrista dos argentinos parece concordar que o este estuário e suas águas barrentas é indistintamente feio mesmo. O Darwin já escrevera algo assim na época em que passou, então não se pode culpá-los. Talvez pelo Capibaribe não se possa dizer o mesmo dos pernambucanos...

Depois do contratempo com a tempestade em B.A. cheguei em Ushuaia quase à meia-noite. Pior para minhas bagagens, que não foram enviadas junto. Parece que certa desorganização já é uma coisa pitoresca das "Aerolineas Argentinas", que não andam bem das asas...

De madrugada e sem o casaco apropriado, o primeiro impacto da Tierra del Fuego não poderia ser outro: navalhas de vento antártico nos dão as boas-vindas ao sair do aeropuerto. Corremos para o táxi. Eu e 4 australianas, alguns dos muitos "sin-equipaje" daquele dia. Que bueno, na adversidade tendemos a nos unir com mais facilidade e dividir os infortúnios e a tarifa.
No outro dia, zanzar pela cidade aproveitando o tempo firme. Conheci o antigo presídio, reaproveitado como museu, bom passeio. Se o Foucault já dizia que gostamos de afastar da vista tudo que macula a sociedade ideal, Ushuaia tinha vocação natural para a coisa. Como a Austrália para os ingleses, remota o bastante para se livrar dos piores sociopatas. As instalações eram de fato dignas de desgraçados. Na minha experiência, poderia comparar apenas aos piores manicômios do Recife (o Foucault também tinha algo a dizer sobre a segregação dos loucos né). Disseram que ninguém conseguia fugir daqui durante aqueles mais de 50 anos de funcionamento, não pelos muros, mas pelo isolamento incondicional da Tierra del Fuego naquela época. Houve quem passasse dos muros e voltasse para não encontrar la muerte certa no meio do nada.
No museu havia cartazes sobre outras casas-presídio reaproveitadas, como a nossa "Casa da Cultura". Pernambuco falando para o mundo (além do mais, um sinal pessoal que um bom neurótico pernambucano não pode ignorar). A estrutura similar em "panóptico", mais fácil para a vigilância, era moda no século XIX. Além disso, réplicas e mais réplicas de barcos famosos como a caravela de Magallanes e do Beagle de Darwin (woohoo!), e histórias e trecos dos primeiros exploradores da Antártida.